A VIDA APÓS O CASAMENTO MISTO

Trechos de um texto do Rabino David Jeremy Zucker

 


 

 

O casamento misto acarreta o surgimento se uma série de problemas. Minha preocupação aqui será a de explorar a questão de como lidar com os casais compostos de um parceiro judeu e outro não-judeu. Uma possível opção ( e certamente não a única) é a do estabelecimento de grupos de apoio. Venho coordenando tais grupos por vários anos e os resultados tem sido, em geral, muito positivos. Trabalho com o atual grupo de casais mistos ( bem como um grupo anterior) por quatro anos. Os parceiro judeus variam de religiosos engajados e ativistas na comunidade judaica até indiferentes quanto à religião. Para alguns dos parceiros judeus, a vez em que eles vinham ao grupo era virtualmente a única em que entravam numa sinagoga.

Estas pessoas não eram ativas por uma série de razões. Em alguns casos, sua não participação tinha origens na recepção negativa que receberam , ou sentiram ter recebido, de seus correligionários. Até certo ponto os judeus se sentiram estranhos ou sem jeito por causa do seu status de casal misto. Muitas vezes sua raiva era dirigida contra o facilitador , mas com muito mais freqüência havia apreciação pelo fato de que eu estava provendo um fórum neutro para que o grupo pudesse discutir sua situação.

Os não-judeus também formavam um amplo espectro de fé e engajamento. Num extremo havia a esposa ou o marido que era um cristão não praticante mas que com freqüência apoiava a idéia de se criar as crianças em contato com um templo. Os níveis de compromisso religioso variavam e no outro extremo havia católicos, batistas, presbiterianos e luteranos muito devotos

Lidando com as crianças

Uma das áreas mais problemáticas na discussão de grupo é a questão da criação das crianças. Como judeus, temos a tendência a esquecer que os cristãos também têm tanto um interessse investido na religião das crianças, com fortes sentimentos em relação a isso.

Tal como existem pressões da parte dos avós judeus, também os avós não- judeus pressionam para que sua tradição seja seguida. O casal é com freqüência apanhado por um mar de turbulências e emoções conflitantes.

Ao contrário da crença comum, os avós judeus e não-judeus não têm diferença quanto a sua capacidade de gerar sentimento de culpa. Embora ambos os pares de avós se importem como seus netos estão sendo criados, há freqüentemente uma significativa diferença em seus objetivos gerais. Ao serem apresentados à opção entre ter seus netos criados sem qualquer tradição religiosa ou serem criados no judaísmo, os cristãos geralmente optam pelo judaísmo. Constratando com isso, os avós judeus preferem a neutralidade ao cristianismo.

Lidando com festas religiosas familiares

Embora a educação das crianças seja um tópico comum , existem outras questões articuladas Há dois focos maiores no ano judaico, com seis meses de intervalo: o período do Ano novo e Pessach. Em ambas as ocasiões , sempre que possível geográfica ou financeiramente, as famílias judaicas tentam se congregar. Através tanto da experiência em família do Seder como da intensidade compartilhada dos Iamim Noraim, a experiência da família é renovada.

Os que nasceram judeus contam como certo que a família vai sentar e rezar junta na sinagoga pelo menos em Rosh HaShana e Iom Kipur. Os casais de casamento misto não podem fazer simplesmente supor que vai ser assim. O parceiro não judeu pode estar ou não a fim de participar dos serviços. Mesmo que seja aberto para a idéia, surgem outros problemas.

Henry e Margaret (os nomes são fictícios) têm enfrentado este problema. Como a parceira judia, Margaret quer que Henry esteja com ela. Henry explica:
"Certamente não faço objeções quanto a acompanhar Margaret. Não 'exijo' que ela venha aos serviços de Páscoa comigo. Espero que não seja 'uma ida lá para uma ida cá'.

Eu até entendo que, dadas às longas e freqüentemente amargas lições de história que os judeus sofreram nas mãos da Igreja, ou mesmo 'em nome de Jesus', ela possa relutar em ir à igreja. O que Margaret não consegue perceber é que os seus serviços não me emocionam como emocionam a ela. Além disso, embora eu queira ir a um serviço, não posso chegar para o meu supervisor e dizer: 'Sinto muito mas não posso vir trabalhar na segunda porque é Iom Kipur'. O que posso responder quando meu patrão indagar: 'Mas Henry, você é cristão'".

Assim como os judeus tentam se reunir para Pessach, também os cristãos se reúnem para a Páscoa. De vez em quando estas festas se sobrepõem e, na nossa sociedade, as crianças freqüentemente vivem a quilômetros de ambos os avós. Para que lado ir? Como se a logística não fosse problema suficiente, outra preocupação para o componente judeu é como lidar com a alegria da família a respeito da ressurreição. "Ele ressuscitou, você não sente alegria em seu coração?", perguntou a sogra de Betty Jane, "Deus o ergueu dos mortos." Betty Jane murmurou algo e foi se esconder no banheiro, onde chorou por meia hora. "Eu sabia que ela não estava fazendo aquilo para me colocar em evidência, e muito menos me ofender, mas o que é que eu poderia dizer para ela?", explicou Betty Jane no outro encontro.

Entre Chanucá e o Natal

A época de Chanucá e do Natal são outra áreas de conflito em potencial. "Não é tão mal quando Chanucá cai cedo. Então podemos 'fazer' Chanucá e também 'fazer' o Natal." Esta solução funciona para uns, mas não para outros. "Quando a época coincide, tentamos decorar um cômodo com motivos de Chanucá e ter uma árvore de Natal em outro. Quando minhas amigas judias aparecem lá em casa", explica Susan, "eu mais que depressa fecho a porta para que elas não vejam a árvore. Eu me sinto mal de fazer isso, mas é incontrolável". O marido de Susan, sentado no grupo, parece mais dolorido que intrigado.

...Até então a religião não parecia importante.
Mas agora, duas crianças mais tarde, a coisa é diferente...

A Muffy tem um outro problema. Toda a sua família vive na mesma área e é tradicional que o Natal se dê cada ano na casa de um e ela sabe que este é o ano dela. "Que há de mal numa árvore e algumas decorações ? Não quer dizer que estejamos cultuando a árvore. De qualquer forma é um costume pagão, não é? Porque é que Bem deveria se importar? Fico feliz em acender velas de Chanucá. E o que há de errado com algumas meias penduradas? Como é que isso pode lhe fazer mal? " Muffy não ficou muito satisfeita cm a resposta de Bem de que ele não faria objeções a árvores de Natal em julho ( não associado ao Natal). Muffy rebate dizendo que ela soube de vários casais em que ambos são judeus mas que mantêm uma árvore de Natal. "Eles parecem não ver nenhum problema nisso e muitos delas até nasceram judeus!"

A questão da vida após a morte

Outra fonte d divisão é a questão da vida após a morte. "Eu fui criado com a idéia de salvação pela graça através da fé", diz a Sandra. "Se eu vou ser ressuscitada, tenho que aceitar Jesus." Sandra então se vira para o Joe e pergunta: "O que é que os judeus têm a dizer acerca da vida eterna?" Joe parece espantado. Certamente os cristãos são consideravelmente mais articulados e claros sobre o que é necessário para se atingir o Mundo Vindouro. O grupo permite a discussão destas questões, e por vezes se volta para mim para explicar como o judaísmo, com suas variações, lida com estes assuntos e com outros mais. O grupo quer saber em que somos iguais e onde diferimos.

A questão diz respeito à importância da participação em serviços religiosos como ponto divisor entre cristãos e judeus . Os judeus, de um modo geral, vêem sua identidade atrelada à Igreja. Você é um "bom" cristão porque "segue Cristo", e uma das manifestações mais concretas é ir à igreja. A igreja ë o principal centro religioso na vida de muitos cristãos. Para alguns, é mais do que isso, fala de sua identidade social e cultural também.

As instituições judaicas são mais diversificadas. Nós nos identificamos de um modo um pouco diferente. A afiliação a uma sinagoga para muitos judeus não é um ponto principal de contato em relação ao religioso, cultural e social. Jonathasn Woocher da Brandeis University, Charle Liebman da Bar Ilan University e outros já escreveram sobre este fenômeno. Woocher caracteriza a Federação como "judaísmo civil". É claro que as organizações como as Federações, B'nai B'rith, ORT, Hadassah e os Veteranos de Guerra Judeus - todas as quais não são sediadas na sinagoga - servem como caminhos para a pessoa se identificar como judeu/judia.

Elizabeth e Richard têm três filhos. Antes de se casarem, Elizabeth, da igreja episcopal, disse que apoiaria a idéia de criar as crianças na sinagoga. Porém, Richard nunca fez muita força para levar as crianças para a escola judaica. "Eu achei que era importante para as crianças ter uma tradição. Elas sabem que Richard é judeu. Nós acendemos velas de Chanucá e em Pessach sempre temos um jantar em família. No entanto, por uma combinação de falha e escolha as crianças freqüentam a igreja em St. Martin regularmente."

Bart e Alice se casaram na igreja da cidade natal de Alice. "Quando nos casamos sabíamos que criaríamos as crianças como católicas. Conforme crescemos e nos desenvolvemos dentro da nossa relação, nossa visão mudou. Começamos a ver judaísmo e cristianismo de uma outra forma." Alice continuou: "Eu sou o estranho no ninho em nossa família. As crianças freqüentam a escola religiosa da sinagoga e adoram lá. Eu tenho meus próprios problemas com o catolicismo e não queria levar as crianças à missa.

Quando as crianças a idade escolar, uma decisão precisava ser feita. Elas viviam fazendo perguntas diferentes e complicadas. Quem é Deus? Quem é Jesus? Precisávamos nos decidir ."

Bart continuou: "Quando nosso filho tinha seis anos, ele perguntou se haveria problema se ele mudasse de idéia (tornar-se católico). Ele também perguntou a Alice se estava bem se ele decidisse ser judeu. Ele estava nos testando, vendo se nós poderíamos realmente lhe dar um amor incondicional."

Alice acrescentou: " As crianças sabem que não sou judia. Eu não vou aos serviços com eles e não fui à formatura de nosso filho na sinagoga. Às vezes é estranho, mas, afinal, reconhecem que 'mamãe tem uma tradição diferente', e tentamos lidar com isso da melhor maneira. "

O grupo de apoio a casais mistos não resolve os problemas. Quando dá certo, ele promove uma atmosfera positiva para arejar as preocupações em comum. De alguma forma, faz curativos em feridas que , pelo menos, devemos reconhecer, existem a nossa volta.

Rabino David J. Zucker, professor do Departamento de Estudos Religiosos da Southwest Missouri State University. Este artigo é traduzido da revista Reconstructionist, vol LI, num 8

* Se você faz parte de um casamento misto e gostaria de pertencer a um grupo para ventilar estas questões, envie um e-mail e lhe indicaremos de que forma proceder.

 

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