MOVIMENTO JUDAICO FEMINISTA

Célia Szterenfeld

 


 

 
Sobre a Primeira Conferência Internacional Judaica Feminista.

A conferência foi organizada por mulheres americanas e israelenses, com o apoio do Congresso Judaico Americano ( AJC), através da sua Comissão pela Igualdade da Mulher; do Congresso Judaico Mundial (WJC), através da sua Comissão sobre o status da Mulher; e da Rede de Mulheres de Israel (IWN), que é uma organização que congrega todas as tendências do movimento da mulher em Israel. Reunindo representantes de 22 países (com 250 delegadas inscritas e cerca de 500 participantes no auditório), esta conferência se propôs a examinar a questão "Mulher e Poder "no contexto judaico. Por quatro dias, mergulhamos na análise, a nível global, da situação da mulher em quatro áreas gerais:

1 Mulher e Trabalho onde foram discutidos desde os mecanismos legais contra a discriminação até a disponibilidade de creches e horários alternativos de trabalho.

2 Mulher e Família onde foram analisadas as mudanças estruturais da família judaica: participação do homem no cuidado das crianças, a opção por permanecer solteira/o, famílias de mães solteiras por opção, a questão da tradição e famílias judaicas homossexuais, entre outras.

3 Mulher e Religião sobre a manipulação da educação judaica, a participação na sinagoga e as questões das leis rabínicas.

4 Mulher e Política com ênfase na participação interna nas organizações comunitárias judaicas e na externa, em relação a Israel e a seus respectivos países..


O questionamento da participação da mulher na comunidade judaica, a nível social, político e religioso, se encontra mais avançado nos Estados Unidos, onde a luta pela igualdade de direitos na sociedade em geral e a forte identificação com valores judaicos levaram as mulheres a uma revisão do judaísmo enquanto uma estrutura eminentemente patriarcal.


Cabe aqui um parêntesis, para nós brasileiros, para uma rápida definição de três termos básicos utilizados pela teoria feminista:

Patriarcado refere-se a um contexto em que prevalece a "lei do pai", ou seja, no qual a leitura de uma situação é feita sob a ótica masculina e o poder de ação é limitado pelo sexo, sendo que as posições de decisão e prestígio são reservadas ao homem.

O termo Feminista, ao longo dos anos, veio a definir uma postura na qual tenta-se uma leitura de determinada situação sob o ponto de vista da mulher, sendo portanto "pró-mulher" e não "anti-homem". O exemplo mais popular deste ponto de vista feminista é a reconstrução da história a partir da inclusão da participação de figuras femininas nos diversos períodos ( em geral negligenciados pelos historiadores). É feminista, portanto, qualquer pessoa ( homem ou mulher) que reconhece a necessidade de se resgatar os direitos da outra metade da humanidade --não por um meros humanismo, senão por uma noção de incompletude da cultura por sua unilateralidade - e percebe que à liberação da mulher corresponde à liberação do homem e que a diversidade de pontos de vista não diminui os horizontes de crescimento, mas os amplia.

O terceiro termo é Poder, que na linguagem feminista define-se não como "poder sobre" (que é a definição tradicional masculina) mas como "poder de". A diferença básica é a de que esta definição comporta a colaboração, uma vez que todos podemos ter o "poder de" concomitantemente, enquanto que a outra supões primordialmente uma competição, na qual um quer ter "poder sobre" o outro.

Assim o movimento feminista judaico procura apontar o patriarcado dentro do judaísmo, propõe modificações de cunho feminista e abre caminho para o exercício de um "poder de" dentro das estruturas preexistentes nas comunidades judaicas, a nível comunitário, religioso, educacional e político.

O que ficou patente na conferência foi que há claramente, um desejo unânime das mulheres de preservar a parte de sua identidade que atende por judia e de fazê-lo de tal forma a não só aproximar sua experiência de liberação do judaísmo como o judaísmo da sua experiência de liberação para que nenhuma das partes sofra com a perda da outra.

Na conferência foram ouvidas mulheres da diversas orientações filosófico - política - religiosas, em todas as suas nuanças.

Ouvimos Joya Bhattacharya, representante da Índia e professora de Marketing e Pesquisa na Universidade Somaiya, em Bombaim, contar sobre a história dos judeus na Índia envergando o traje típico feminino daquele país; ouvimos Mona Willians, uma educadora negra da Nova Zelândia, falar sobre a ausência de discriminação da mulher na participação de assuntos comunitários judaicos em seu país; ouvimos Cathy Gelbin, da Alemanha, descrever a luta pela aceitação de homossexuais judeus por suas comunidades, e Liliane Shalom criticar a situação das mulheres sefaraditas em Israel. Da América Latina, ouvimos Renee Apelbaum, uma das fundadoras do grupo das Mães da Praça de Maio, na Argentina, falar do desaparecimento de seus três filhos e sobre a participação política da mulher. Eu descrevi o processo de implantação, no Rio de Janeiro, do primeiro minian ( grupo de orações) igualitário do país ( sob orientação do Rabino Nilton Bonder) e o crescente interesse numa maior espiritualização do judaísmo por parte de seus integrantes.

Se o espaço me permitisse, eu lhes contaria outras belas histórias, e espero ter a oportunidade de fazê-lo no futuro. Por ora, deixo-os às voltas com a reflexão sobre este relato inicial, para que saibamos todos que não estamos sozinhos neste impulsos de renovação do judaísmo e sua adaptação aos nossos tempos. Cabe a cada um de nós, gerar dúvidas e se aprofundar nas possíveis respostas, essencialmente preservando nosso amor pelo judaísmo e primordialmente pensando-o em termos da nossa realidade tupiniquim.

Célia Szterenfeld é psicoterapeuta, especializada em psicologia da Mulher, no Rio de Janeiro.

 

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