RABINO BEST SELLER

Rabino Nilton Bonder
JORNAL DO BRASIL - CADERNO VIDA - 19/JUN/2004


 

 

Os livros de Nilton Bonder, que freqüentam a mesa de cabeceira da cantora Madonna, já venderam 500 mil exemplares em 12 idiomas

Rose Esquenazi


Gaúcho de Porto Alegre, 46 anos, o rabino Nilton Bonder, líder espiritual da Congregação Judaica Brasileira (CJB), acaba de lançar seu décimo-sexto livro: Código penal celeste - prepare sua defesa diante do tribunal supremo (ed. Campus). A partir de 1986, a Cabala da Comida, a Cabala do Dinheiro e a Cabala da Inveja, trilogia de sua autoria, venderam como água, chegando às mãos de gente famosa. Feliz com o rumo de sua carreira literária - ele chegou a lançar livros na Coréia e na Tchecoslováquia - e com uma congregação que já reúne 500 famílias, Nilton acha que não deve ser apenas rabino. E se antigamente eles eram sapateiros, açougueiros e marceneiros, hoje podem muito bem ser escritores. No caso, um autor internacional de muito sucesso.


Ana Paula Amorim
O maior problema que o rabino Bonder encontra entre os brasileiros hoje é a insegurança em relação ao futuro
A sua família era religiosa?

Minha família não era religiosa, meus avós, que vieram da Rússia, apenas observavam a religião. Entrei na PUC em 1976 para cursar engenharia, mas sempre me interessei pelos assuntos judaicos. Para ganhar uma grana, comecei a dar aula de história judaica e percebi que havia uma carência de ensino de melhor qualidade. Decidi cumprir o rabinato e, para isso, precisava concluir o nível superior. Fui então para os Estados Unidos, onde terminei engenharia e o Jewish Theological Seminary.

Seus pais não levaram um susto com a sua decisão?

Minha família achou muito estranho e todos ficaram com medo dessa virada radical. Me diziam que era uma ocupação visada, e que eu teria que lidar com expectativas e exigências. Depois de algumas conversas, viram que eu não estava tendo nenhum problema pessoal e aceitaram a minha escolha.

Você causou certa estranheza também quando apareceu como rabino jovem e surfista.

O que causou estranheza foi eu ser brasileiro, muito engajado na nossa realidade. Sou informal, mas preciso manter certa distância em uma relação espiritual. Mas isso também não pode ser falso. As pessoas não podem se esquecer que ali há um ser humano. O rabino tem direitos e responsabilidades. Existe uma expectativa de conduta e representatividade que você não pode perder. O jeito que fazemos as coisas é muito importante. Não se trata de abandonar as tradições, mas integrar todas as coisas. A vida está sempre mudando, a gente sofre transformações constantemente. Como você abraça o novo, sem perder as raízes?

É mais difícil o aconselhamento em um momento de crise?

As crises também podem ajudar. Quando não estão em crise, as pessoas podem se perder, trabalhar demais, por exemplo. As que têm tempo sobrando, em vez de ficarem angustiadas, deveriam fazer uso desse medo, aproveitando o hoje. O problema da nossa época não é a crise, mas a insegurança em relação ao amanhã. Isso, sim, vem provocando muitos problemas à qualidade de vida.

No Código Penal Celeste você fala que devemos viver a nossa própria vida, no presente.

A mente humana está sempre fazendo prospecções no futuro. Toda essa idéia de inferno e paraíso tem a ver com isso. O inferno não acontece no futuro, está acontecendo nesse instante. Dia desses, eu estava saindo com muita pressa, peguei um sanduíche, engatei a ré no carro, olhava pelo espelho retrovisor, quando tocou o telefone. Nesse momento vi: isso é o inferno. Tudo errado: ou você larga o telefone, ou pára o carro, come o sanduíche... Isso é o paraíso.

Como você descreve o pecado?

Atendi muitos doentes terminais em um hospital nos EUA, e a coisa que mais me apavorava era encontrar pessoas de uma certa idade que diziam que não tinham vivido a vida, que perderam 30 anos em situações não-resolvidas. Parecia que estavam sendo julgadas por um tribunal, mas eram elas mesmas que faziam uma releitura dos medos e inseguranças. Podemos ser muito cruéis conosco mesmo. O problema não é a morte. É não termos tomado a própria vida em nossas mãos. Não é um pecado externo, mas um grande desperdício. A vida é uma coisa muito linda para você transformar em um inferno.

Você faz consagrações próximo à natureza. Isso representa uma maior qualidade de vida?

Sim, é importante o contato com a natureza. Além disso, temos um grupo ecológico, uma feirinha de produtos sem agrotóxicos, participo do Viva Rio, do Iser. Todas as áreas têm a ver com o meu rabinato. Quando você está bem, a tendência é tratar bem o mundo à sua volta.

E a busca da espiritualidade?

No Código Penal Celeste, saio da linha moral e da relação entre as pessoas, para criar um código entre a criatura e o criador. Mudar a vida não é apenas um desejo, porque os truques e as armadilhas que você cria na sua mente não são facilmente desarmados. A vida é uma briga constante para não fugir das decisões importantes. Termos a consciência de que existem armadilhas já é maravilhoso. A espiritualidade e a sabedoria sempre tiveram essa função, e a psicanálise é uma sabedoria. Por trás das técnicas da psicanálise, existe uma observação cuidadosa da natureza humana, que tangencia a espiritualidade.

Você foi um dos primeiros no Brasil a divulgar a Cabala?

A partir de 1988, já tinha essa orientação de buscar a parte da espiritualidade e do misticismo dentro da tradição sapiencial do judaísmo. É uma codificação de ensinamentos, vivenciados por várias gerações. Continuo acreditando que as pessoas têm uma sede muito grande de espiritualidade. O mundo hoje é tão visível, tudo muito manifesto, que as pessoas querem um lado invisível. Isso é saudável, não para se alienar, mas para criar um equilíbrio. A tradução da palavra Cabala é o oculto, uma maneira de olhar o outro lado.

Ninguém enlouquece lendo a Cabala, então?

Calma. As pessoas podem pirar com qualquer coisa, até com bula de analgésico. Eu não tenho medo: as pessoas hoje têm muito conhecimento, antigamente não era assim. Ao fazerem alguns cursos de Cabala, os alunos têm a fantasia de se tornar um Harry Porter e, com uma varinha de condão, ir transformando o mundo. Mesmos esses cursos podem ter a função de abrir portas. Não conheço nenhuma prática humana que seja pura.

Você acha que faz uma boa ação ao ajudar as pessoas através de seus livros?

É uma coisa arrogante você se propor a ajudar alguém. Tento me ajudar, produzir alguma coisa em que acredito, e se isso serve para as pessoas, ótimo. Essa honestidade é o produto maior.


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