REPACTUAR COM A VIDA
No Ano Novo será inscrito e no dia do jejum de Kipur, será confirmado.
Quantos? Quem?
KOL 5769

 

 

A existência para um ser humano não é um fenômeno meramente biológico. Por biológico entenda-se a progressão de desenvolvimentos previamente programados e a interação entre potencias e meio ambiente. A existência humana percebida por sua consciência não se mede do passado para o futuro, mas, ao contrário, do futuro ao presente. Como faz o escriba que para conter na linha aquilo que tem que ser contido, de certo ponto em diante, escreve do final para o meio. Fazer conter todas as letras na limitação da linha e do papel é aceitar a moldura e a limitação onde habitam a essência e o sentido.

Inscrever-se neste livro significa que nossa natureza não permite nos entregarmos ao tempo. Como não podemos também desafiá-lo, tentamos colocar nele suficiente de nós mesmos para que ele não nos perca e nos dissipe num encadeamento de momentos, dias, semanas e meses sem que nos façamos inscritos.

O Livro da Vida pressupõe prosa e ficção, propõe relato e versão, pressupõe responsabilidade e o reverso da indiferença. Não queremos ficar fora do Livro, porque é nele que está o reflexo de nossa identidade e de nossa consciência. A Vida sem um Livro onde tudo se inscreva é uma vida que se dissipa num universo frio e em expansão. Na ignorância do que neste cosmos exista, me permito dizer que nada é mais resistente à desordem e ao aleatório do que esta literatura onde as vidas devem se fazer contidas. Querer estar neste livro é não ser abandonado ao tohu vavohu, à entropia que desperdiça. Bereshit não é apenas o começo do universo, é o começo do Livro onde nos percebemos. A Tora é o relato do passado, mas é também holograficamente este Papiro da Vida, Ets Haym, do qual lemos, mas acima de tudo, no qual nos inscrevemos. E o Deus que nos dá um Livro é generoso e compassivo - talvez o alívio que acompanha o ferimento da consciência.

Seja como for, que ao tocar do shofar você se sinta incluído e que seu destino não esteja às margens. E se estiver, que a tshuvá (o retorno que alinha), a tefilá (a cantilena que tabula) e a tsedaká (a não indiferença que configura) possam reformatar este texto e repaginá-lo para que lá estejas. E que o édito do vazio da desesperança e da apatia seja revertido por mais um ano. Um ano que não será mais tempo biológico, mas um tempo consagrado em altar, tal como um ciclo, uma maça, adoçada em sentido, em mel.

Rabino Nilton Bonder