Parashá Va'Yeshev (2007)- Comentários


Flavia Braunstein Markman e Camille Bendahan Bemerguy

APRESENTAÇÃO
Quando comparecemos ao Cabalat Shabat, buscamos o descanso, o conforto das rezas e as palavras do Rabino. Estamos aqui hoje não porque esperamos que nossas palavras tenham o teor de uma "prédica" mas, ao contrário, é parte de um processo de aprendizagem.

A pedido do Rabino estudamos a Parashá desta semana, escolhemos um dos múltiplos olhares que a Parashá nos permite extrair, e viemos apresentar para vocês.

A apresentação é parte de nossa preparação para o Bat Mitzvah que faremos em breve. O Bat é resultado de uma escolha nossa e não mais parte de um processo "natural" das meninas aos 12 anos. A preparação, assim como o ato em si , tem, para uma cada uma de nós, um significado muito especial.

VAYASHEV- LASHEV - (sentar) -
A PARASHÁ DISCUTE OS EVENTOS QUE SE DESENVOLVEM A PARTIR DO RETORNO DE JACOB PARA TERRA DE CANAAN; PASSANDO A RELATAR COMO, MOVIDOS POR CIÚMES, OS IRMÃOS VENDEM JOSÉ COMO ESCRAVO AO EGITO, ONDE IRÁ SERVIR COMO EMPREGADO NA CASA DE POTIFAR, UM DOS CONSELHEIROS DO FARAÓ - E COMO ELE ( JOSÉ ) FOI ENCARCERADO NA PRISÃO.

A parashá desta semana é Vayeshev começa com o seguinte versículo:

"E Jacob assentou na terra que foi de seu pai, na Terra de Canaan (Gênesis 37:1)."

Segundo a Guemara o texto começa com duas expressões significativas: "Vayeshev" - que quer dizer "e habitou" (assentou), e "terra de seu pai".

Nesse versículo a Torah revela um cansaço de Jacob pelas atribulações que já havia vivido e um forte desejo de se ver livre de todas as suas obrigações. O texto trata de um homem consumido por stress que parece ter retornado ao lar para morrer.

Não é de se estranhar esse sentimento experimentado por Jacob. A culpa por ter ludibriado o pai Isaac no caso da primogenitude, os abusos impostos pelo tio, Laban, para que pudesse se casar com Rachel, o massacre dos filhos contra os habitantes de Shehem , a perspectiva tensa de reencontrar e enfrentar o irmão Esaú, a morte de Rachel - seu grande amor - o fazem querer a segurança do lar e desejar que " dias tranqüilos" lhe venham depois de tantas atribulações. Nada mais natural para nós humanos...

Porém, diz Rashi, que sempre que os Tzadikim (justos) procuram finalizar seus dias em tranqüilidade, Deus os repreende e a vida dá cambalhotas inesperadas. No caso de Jacob, sua vida é imediatamente revirada com os acontecimentos ligados ao seu filho José.

No momento em que Jacob se torna complacente com a sua caminhada, faz uma túnica e dá para o filho José.

Não é Reuben, filho primogênito, mas José seu 11º filho quem recebe de presente uma túnica colorida - revelando não só a sua preferência, como também como sinal da escolha da futura liderança.

Isso desperta, não só ciúmes nos irmãos, mas também um sentimento de ameaça muito forte, o que os leva a planejar matar o irmão - sendo que, por intervenção do irmão Reuben, decidem jogá-lo num poço e vendê-lo como escravo ao Egito. E depois dizem ao pai que José havia morrido atacado por animais.

Porque o desejo de Jacob lhe foi negado? D'us tem uma quantidade limitada de tranqüilidade a distribuir? Porque paz somente no mundo vindouro?

Aparentemente o título da Parashá é um paradoxo diante do relato dramático que se segue. Parecendo que foi negado a Jacob o que ele queria - dias tranqüilos... Mas diz a Guemara que lhe foi dado exatamente o que ele queria e não foi uma negação, mas sim que lhe havia sido dado "meios" de conseguir o que queria.

Dizem os sábios que a Torah quer nos dizer é que não devemos repousar sobre nossos louros - acomodar - achar que já é suficiente o esforço, o sacrifício, a dedicação. Nesse momento nos cegamos - se interpõe uma tensão entre o humano, com sua noção de julgamento e recompensa imediatos, e o divino - que tem um olhar que transcende o tempo e o espaço percebidos pelos nossos cinco sentidos.

Vivemos num mundo fragmentado, onde os incontáveis componentes parecem caminhar seus próprios caminhos, cada criação buscando sua preservação e evolução. Olhamos os eventos e experiências com o olhar superficial da realidade. Olhamos com o olhar do imediatismo.

Queremos recompensa imediata, soluções imediatas, desejos atendidos imediatamente. Esquecendo que a questão do julgamento e da recompensa se coloca em nossas vidas com a temporalidade do divino.

Quanto mais profundamente observamos a natureza e suas leis, mais revelamos e descortinamos uma unidade, que nos escapa num primeiro e descuidado olhar.

Cada componente de nossas vidas não é um fim em si mesmo e nem a soma das partes, mas meios de um objetivo maior, bem maior do que a mera soma das partes.

No caso da Parashá a venda e o exílio de José no Egito pareciam fazer parte de um plano maior, não capturado pelos cinco sentidos e nem num contexto de tempo e espaço como estamos acostumados e lidar.

A Parashá parece iluminar o sentido de que nada é aleatório, nada simplesmente acontece. As razões dos eventos e a conseqüências de nossos atos aparecem em tempo e espaço diferentes.

O que nos lembra que a "mão de Deus" está em todos os eventos, que tudo parece fazer parte de um plano superior. Que o Criador está conosco não só nos tempos bons, mas também quando algo que aparentemente é ruim nos acontece.

Mas, na maior parte do tempo, não experimentamos a vida com o olhar do aprendizado. E é exatamente na possibilidade de exercer esse olhar que nosso livre arbítrio se manifesta.

A decisão mais importante que temos é: Como reagimos ao que nos acontece ? Nossa reação nos cega ou nos ilumina??

Nesta Parashá os sonhos têm em papel muito importante. Por este motivo fui buscar algumas definições:

Na definição do e-dicionário- Definir- o sonho é: "conjunto de idéias e imagens mais ou menos confusas e disparatadas, que se apresentam ao espírito durante o sono."

No Aurélio: Seqüência de fenômenos psíquicos (imagens, atos, idéias, etc.) que involuntariamente ocorrem durante o sono. (Existem outras definições, mas estas me pereceram mais apropriadas para os pontos que gostaria de aqui abordar.)

Para Freud assim como Shakespeare o sonho nos ajuda a melhor compreender a essência (alma) de cada um.

Por que queremos entender os sonhos? Para que? Saber do Futuro?

Normalmente queremos revelar algo que nos parece velado, codificado e no fundo sabemos que tem a ver conosco.

Na Parashá quem é que consegue enxergar para além das imagens vistas nos sonhos? Pois ver todos nós podemos, mas enxergar só alguns poucos.

José era uma pessoa que acreditava nas pessoas. (nos seus irmãos quando foi vendido e no copeiro quando estava preso). Havia uma ingenuidade, uma pureza nas emoções (assim como as crianças)

Segundo Rav Sacks:

"O que deu a José a habilidade de focalizar em outros mais do que a si mesmo, foi sua consciência e sua confiança de que tudo que lhe acontecia vinha de D'us. Mais tarde quando seu pai já havia falecido seus irmãos temeram vingança por o terem vendido como escravo, e José disse-lhes: "Embora vocês tenham me causado um dano, D'us me levou para o bem.". José manteve uma consciência de que, o que quer que lhe tenha acontecido, foi porque D'us assim o desejou. Isso permitiu que José mantivesse sua força e esperança internas. Nada que D'us faça é para o mal. Ao contrário, sua intenção é sempre para o bem e o intima a uma intenção positiva para que se manifeste em nossas vidas também.*

O que nos atrapalha, simples mortais, a interpretar os nossos sonhos e que nos acontece ? No caso dos irmãos de José, o ciúme e a inveja; mas é claro que todos os sentimentos nos dificultam a enxergar as coisas em seu pleno estado bruto.

E não pensemos que sejam somente os sentimentos negativos, pois o AMOR justifica (não necessariamente conscientemente) os erros por mais graves que sejam.

Entendam aqui que não há uma qualificação, mas uma constatação do que acontece com todos nós humanos.

Sentimentos estes que nos deixam encouraçados (com armaduras), distorcendo assim as imagens.

Por que por muitas vezes acreditamos nas mentiras? Que ilusão é esta que se faz necessária? Por que queremos ser enganados? Para que nos sintamos protegidos? De que?

Assim criamos também as nossas máscaras.

"A máscara (persona-personalidade) é uma fachada que usamos para nos adaptar, ajustar, corresponder ou viver em conformidade àquilo que se espera ou exige de nós. Facilita a possibilidade de convivermos, de forma amistosa, até com pessoas que nos desagradam, mas cujo relacionamento com elas não pode ser evitado."

Citação de Fernando Pessoa:

"As máscaras que vivemos na vida

Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por que não era e não desmenti,

E perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho

Já tinha envelhecido"

(Fernando Pessoa, em A TABACARIA).

Em outras palavras a máscara nos ajuda a sobreviver, mas ela não precisa estar ADERIDA (colada) ao nosso rosto; podemos ter consciência de seu uso e serventia no nosso social.

O importante é sabermos que temos escolhas - na "Máscara" que vestimos e no que queremos enxergar.

Temos um destino a ser seguido, assim como Jose, Jacob, Isaac e Outros,mas a forma com que o vivenciamos é o que depende de nós.Tiremos nossos escudos para que possamos vivenciar a experiências da forma mais autentica possível. Assim conseguiremos ter os sentimentos mais puros também. Ampliando assim o CAMPO DE VISÂO.

E para finalizar gostaria de mencionar uma citação do Zohar;
"The eyes are windows to the soul."- Nossos olhos são as janelas para a nossa Alma.

"Our eyes are windows to our inner wisdom." Nossos olhos são as janelas para nossa sabedoria interna.


Flavia Braunstein Markman e Camille Bendahan Bemerguy
Novembro de 2007


PARASHÁ