O QUINTO MANDAMENTO

Halina Grinberg


 

 

SHAVUOT

Recebi uma mensagem do Rabino Bonder:

"Queria convidá-lo para assumir o Quinto Mandamento, numa fala em torno de 8 a 10minutos. A idéia é aprofundar o sentido literal do mandamento. Segue o Mandamento e uma provocação. E agrego em inglês, o comentário de Rashi um comentarista literalista) para você ter idéia de por onde ele caminhou com este Quinto Mandamento."

"Honra teu pai e tua mãe para que se prolonguem os teus dias na terra que o ETERNO, teu Deus, te da" - Êxodo 20:12.

" Provocação: O amor profundo recebido dos arquétipos "pai" e "mãe" sustenta a possibilidade de qualquer forma de solidariedade.

" Comentário de Rashi: Verse 12: "So that your days may be lengthened. If you will honor [them], they (your days) will be lengthened. But if not, they will be shortened for the words of the Torah are concisely written; inference may be made from the positive to the negative and from the negative to the positive."

O convite a assumir algo literalmente, além das aspas e parênteses utilizados por Bonder e Rashi, chamaram, de imediato, minha atenção. E busquei o dicionário (Aurélio).

1. Aspas: Sinais gráficos, que delimitam uma citação, são usados para realçar certas palavras ou expressões; sentidos figurados.

2. Parênteses: Em lingüística, utiliza-se quando uma palavra, frase ou período são intercalados num texto acrescentando informação adicional, mas não essencial, e sem alterar a estrutura sintática original. Em matemática, refletem uma operação lógica, mental, e são um símbolo utilizado para reunir os participantes de uma operação. Por exemplo, os integrantes de um conjunto e suas relações. E, conjunto é uma coleção de objetos (chamados elementos): números, pessoas, letras, etc - até mesmo outros conjuntos.

Deste modo entabulei meu processo de iniciação à literalidade, entre um convite, o mandamento, a provocação, aspas e parênteses. Ficou mais ou menos assim...

ERA UMA VEZ, são as palavras mágicas que abrem as histórias e contos de fadas infantis de amor, dor e aventura, e transformam o mundo em ficção. E assim, também, poderíamos introduizr a narrativa de nosso romance familiar, uma novela de heróis, vítimas e conflitos, nosso enredamento com papai e mamãe, os que nos puseram no mundo e a quem devemos honrar, de acordo com o Quinto Mandamento.

Mas quando se trata da relação do povo de Israel com D'us traçada na Torá, entre amores, ódios e perplexidades, estamos diante de outra forma narrativa, que não sendo da ordem da ficção, tampouco é da ordem de uma história convencional. É, no entanto, uma narrativa em que somos conduzidos àquela palavra, que nos contos de fadas é pronunciada ao final, como se fora parte de uma benção: "E foram felizes para SEMPRE." Um narrativa que promove uma suspensão do tempo convencional da historização, fora da seqüência racional e da rima com a causalidade. E, por isto talvez, nos deixamos arrastar à travessia de mares e desertos, lugares de desconforto, com a renovação de uma promessa de alcançar uma terra, que sendo prometida, ainda continua inalcançável.

Mas ao buscar a diferença entre o ERA UMA VEZ e o SEMPRE, acabei por entender a que lugar o convite do rabino Bonder me convidava. Embora provisoriamente, durante os 8 a 10 minutos de uma conversação, eu falaria para alguém a partir deste lugar. E neste lugar eu teria que assumir um Mandamento.

Então, que espaço é este? É um lugar consagrado. E acima de mim, esta escrito que somos sagrados porque D'us é sagrado. Um alugar para D'us, para nós e para mim. Um lugar que não é qualquer, e porque é ser um Mahakom não me permite esquecer que Mahakom é, também, um outro nome de D'us.
E eis-nos aqui entre amigos, numa comunidade, velando por esta noite de Shavuot- que como tantas palavras e nomes da Torá têm múltiplos sentidos e referências.

1. É Yom Habicurim, ou dia dos primeiros frutos., um destes sentidos. Porque cabe a todo agricultor do povo de Israel, numa expressão de agradecimento, levar ao Templo Sagrado uma oferenda dos primeiros trigo, cevada, uvas, figos, romãs, azeitonas e tâmaras que crescem no campo. É, portanto, o dia em que se da fé de que se plantando , colhe-se - no tempo certo e justo. Trata-se, em Yom Habicurim, de assinalar um tempo de diferenciações. Pois permite identificar com sendo dois, os eventos que, do contrário, seriam idênticos na medida em que ocorrem no mesmo ponto do espaço. Há o tempo do plantio e o tempo da colheita: no mesmo lugar, no mesmo pedaço de terra, é apenas questão de deixar decorrer o justo do tempo que instala a diferença. O tempo da natureza, da transformação, nascimento, vida,usufruto e morte.

2. Atsêret, é outro sentido para Shavuot: o congraçamento. Se Pessach, marca a saída do povo de Israel do Egito, Shavuot aponta para uma convergência de objetivos dentro do bando desordenado de escravos libertados por Moíses. Ensaio de partilhar um amadurecimento, uma reunião, uma congregação. E um tempo fez-senecessário para o reconhecimento de si como parte deste conjunto. Um tempo onde se compartiu o ato de contar e aguardar a passagem de sete semanas. A prece de Sefirat HáOme se estende do milagre da abertura do Mar Vermelho até o momento do recebimento da Torá ao pé do Monte Sinai. Um tempo intervalar, lógico e psicológico, digamos assim. Um tempo de insight, elaboração e conclusão. Tempo bastante para que cessem as queixas pela liberdade recém obtida. E a queixa se transforme em responsabilidade e apreço. Gratidão afinal.

3. É também o momento da Cabalá HáTora. Momento de entrega e paixão, união e amor entre o Eterno e um povo. Então, é D'us, que através de Moisés nos oferece algo, seu fruto, sua dádiva, uma semente da verdadeira árvore da vida: a Torá e seus Dez Mandamentos. Ela será nosso guia. Não mais no Egito, estreito e angustiado estado de alma. Mas no deserto, vazio do sem sentido. Ali teremos que plantar cada uma dessas sementes, para que se tornem alimento e significação desta travessia em direção à Terra Prometida. E um outro tempo passará: o tempo de 4 gerações, 40 anos Um tempo que é o da transmissão. Onde honro o papel dos filhos, que foram entregues a D'us como frutos e garantia de que o povo judeu, por gerações e gerações prezará e observará a Torá.

Por isso quando hoje nos debruçamos sobre as letras da Torá e buscamos decifrar seu sentido, e buscamos, talvez, qual é a moral desta parashá, deste fragmento, paradoxalmente o nosso Rabino Bonder diria que devemos fazer uma espécie de suspensão simbólica. Isto é, devemos tentar, de início, nos colocar entre parênteses. Vejam vocês, de repente, parênteses é uma palavra tão próxima de parentes e pais. Colocar entre parênteses nossa opinião, nossa experiência pessoal e limitada. E, tentar ser literal.

Buscar nossa condição de letra, de marca, num texto que não foi escrito por nós. Como também não foi escrito ou escolhido por nós o nosso nome, nem as letras que vão desenhá-lo e pronunciá-lo. Nascemos entre os parentes/parênteses que nos são familiares, que nos tornam uma significação a mais na cadeia de sentido que é transmitida por papai e mamãe. São eles que nos designam como herdeiros de seus frutos, plantaram em nós seus desejos, colaram estes desejos a nossa pele e nos nomearam a seu bel prazer. Imaginaram algo para nós, ao me chamaram de Haia Guita, por exemplo. Nós fazem símbolos de algo, para eles.

No entanto, paradoxalmente, somente na medida em que toleremos abdicar das historietas deles e das nossas historietas pessoais, na medida em que suportarmos o desterro e a perplexidade , é que estaremos fazendo uso da literalidade. Uma literalidade que nos empurra para fora de nossa curta dimensão temporal particular nesta terra em que somos apenas hóspedes e estrangeiros. Uma literalidade/materialidade que aponta para nós, tal qual o indicador de prata que utilizamos sobre as páginas dos rolos sagrados, sagrados demais, para serem tocados por nosso dedo demasiado mortal, porque contaminado com a vontade do ERA UMA VEZ.

O Quinto Mandamento da Torá, vem a ser o último sobre a pedra da direita, ali onde estão inscritas as relações entre D'us e suas criaturas feitas de terra, de barro. Provoca-nos a ocupar um espaço numa determinada dimanação, e não numa determinada dimensão. Isto é, vamos ter a oportunidade de conviver com uma emanação, ao modo de uma sensibilização suave. Derivando, como fazem os barcos à deriva em busca um ancoradouro - iremos deslizar sobre as páginas dos livros sagrados, sem saber quando haveremos de chegar.

A Torá, enquanto direção e caminho, acontece enquanto se lê, Aqui e Agora. Uma acontecência desconhecida de estar no presente. Um modo presente que não é habitualmente atributo dos seres humanos (em hebraico não há declinação do verbo ser no tempo presente). Para os humanos o tempo dá forma às coisas. As envelhece, por exemplo. Mas em D'us o tempo é substantivo/nome/Ashem do que não tem forma, e que deve se manter irrepresentável, como convoca o Segundo Mandamento. Para que não haja o ERA UMA VEZ.

Mas cabe-me, enfim, assumir o Quinto Madamento diante de vocês - Êxodo 20:12: Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o ETERNO, teu Deus, te dá.

Então, literalmente D'us dá a terra e os dias, e cabe-nos apenas honrar.
O que é honrar? É manter-se fiel a um compromisso. É ter fé e dar fé de algo. É ser sujeito e objeto no mesmo momento. E se Rashi ao fazer seu comentário " If you will honor [them], they (your days) will be lengthened. But if not, they will be shortened for the words of the Torah are concisely written; inference may be made from the positive to the negative and from the negative to the positive" , ainda coloca as palavras (them/eles/deles) e (days/dias) entre parênteses... o que surge é uma nova entonação, ao mesmo tempo infinitiva e condicionada.

O que é um verbo infinitivo? É uma ação no modo infinitivo. E que modo é este? É um modo que permite a um grupo de elementos de um conjunto, por exemplo, girarem em torno de um núcleo, mudando de posição e função No decorrer do tempo Por exemplo, quando a lua gira em torno da terra e a terra gira em torno do sol, em tempo e lugar múltiplos, mas simultâneos. É quando uma palavra/verbo/ato pode ser utilizada tanto na posição de sujeito quanto na condição de objeto.

" Por exemplo: o Quinto Mandamento em sua forma positiva afirma: Honrar faz bem. Neste caso o palavra/verbo/ato honrar é o sujeito de uma ação que resulta em algo bom. Não há eu, tu, eles. (Eu, tu, eles), podem ficam entre parênteses, como o coloca Rashi. O verbo honrar opera por si só estabelecendo um sentido.

" Ou podemos utilizar o verbo/ato/palavra no infinitivo como complemento, parte de um objeto direto de uma frase. É só provocar uma inversão e responder a pergunta: O que faz bem? Honrar pai e mãe!
De modo que a condicionalidade de Rashi pode ser entendida assim: " Se por acaso, você honrar...". O que nos reconduz à dimensão da escolha e da temporalidade humana. Na leitura de Rashi, honrar é simultaneamente emanação e dimensão, fidelidade e escolha. Obedeceremos e escutaremos. Esta é a ordem das coisas ao pé do Sinai.

No Judaísmo história e fato não são nem história nem fato relativos especificamente a determinado lugar, ou especificamente a determinado momento, representável numa linha de tempo ou como coordenadas e ordenadas geográficas. No Judaísmo, se algo ocorre, este algo passa a fazer parte de nós. O fato faz-se lugar. Eu sou o lugar onde o fato acontece. É uma nova forma de consciência. E de percepção. E de convocação.

Tal o efeito promovido pelo Rabino Bonder ao convida-nos a renovar e honrar nosso compromisso com a Torá, assumir o caminho e direção que nos leva ao Eterno. Lugar que se fazendo ação infinitiva aqui e agora, é, portanto, verbo/ação em direção ao SEMPRE.

Em direção àquilo que foi e será para além dos dias e das pessoas encarnadas aqui, além de mim e de meus pais. Amem.

 

MENU SHAVUOT MENU FESTAS